Celpa põe a mão no bolso do consumidor do Pará

O Liberal, de hoje:

Metade das reclamações que chegaram à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) contra as Centrais Elétricas do Pará (Celpa) foram por erros de leitura do consumo mensal. Elas representaram 2.111 queixas do total de 4.662 apuradas ao longo do último ano, segundo o relatório Ouvidoria Setorial em Números. O montante correspondeu a quase seis novas reclamações por esse motivo a cada dia. Mais preocupante, segundo a avaliação da Aneel, é que, mesmo com as milhares de reclamações, pouco se fez para reverter esse quadro ao longo dos últimos anos. O número de reclamações da Celpa por cobrança indevida no último ano, já sob controle da Equatorial Energia, foi 74,6% superior ao registro do mesmo período de 2012, época que a empresa estava sob o comando do Grupo Rede. Se comparar com os números de 2011, esse aumento salta para 254%.

Os dados desse ano estão sendo consolidados pela Aneel e devem ser divulgados ainda essa semana. Mas a tendência é que seja um novo recorde. Dados preliminares, referentes ao primeiro bimestre de 2014, apontam um acréscimo de 85,9% de reclamações em relação ao mesmo período do ano passado. Além da enxurrada de queixas na Aneel, os consumidores paraenses também têm levado as suas insatisfações ao Ministério Público do Estado (MPE-PA) e à Diretoria de Proteção Defesa do Consumidor do Estado do Pará (Procon-PA). Nesse último, por exemplo, as queixas contra a Celpa saltaram de um total de 2,2 mil em 2012, para mais de 3 mil, em 2013 - disparada a campeã de reclamações.

Ajuste - No fim do primeiro semestre, a Promotoria de Defesa de Justiça do consumidor e o Procon-PA, formalizaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto a Celpa, em razão dessa elevada demanda de reclamações, sobretudo pela queixa dos consumidores pelo acúmulo de consumo em suas faturas. Pelo documento assinado, a distribuidora de energia elétrica do Estado se comprometeu a não “faturar mais de um acúmulo [de contas] no período de 12 meses” e ficou obrigada a encaminhar “todas as faturas de ‘acúmulo de consumo’ no município de Belém através de agentes negociadores com o dever de esclarecer a situação ao consumidor, oportunizando a ele parcelamento da fatura em período não inferior ao dobro dos meses acumulados em sua fatura”, haja vista que “o consumidor não pode ser surpreendido com sucessivos acúmulos de consumo em sua fatura”.

No TAC, a promotora Joana Coutinho pontuou as sucessivas reclamações de consumidores contra a Celpa, junto ao Procon-PA, em face à abusiva cobrança de faturas acumuladas, a exemplo do que aconteceu com uma Unidade Consumidora reclamante em Belém, que, de maio de 2013 a fevereiro deste ano, manteve a leitura entre 233 a 269 quilowatt-hora (Kwh). Em março deste ano, ela baixou para 61 Kwh sem que se possa afirmar que a Celpa tenha feito a medição. Em abril, voltou aos 226 Kwh (dentro da média até então registrada) e, em maio, a fatura mostrou consumo elevado de 497 Kwh, provavelmente repondo o que teria faltado em março.

Ainda pelo TAC, a Celpa, além de não ficar proibida faturar acúmulos de contas, também teve que se comprometer a firmar convênio com órgão competente, credenciado junto ao Inmetro, para oferecer ao consumidor a oportunidade de acompanhar as avaliações e perícias nas unidades consumidoras. Também ficou acertado que a distribuidora deve informar ao consumidor, sempre que constatar irregularidade nos medidores, para que esse possa acompanhar a avaliação técnica de seu medidor.

O acordo também estabeleceu que a empresa tem que zelar pela redução do número de reclamações em até 30% junto ao Procon, bem como fazer investimentos de até R$ 100 mil na melhoria do espaço físico do Procon, providenciando, por exemplo, um local para “Conciliação das Empresas” que atenda aos legítimos direitos dos consumidores, inclusive designando funcionários próprios para interagir com os clientes.

No entanto, apesar do acordo estabelecer multa em 200 UPFs (unidade padrão fiscal) caso a Celpa não o cumpra o TAC, ainda é muito comum a prática do acúmulo de consumo. É o que pode ser constatado em outra Unidade Consumidora, com vencimento no último mês de setembro. Entre agosto de 2013 e fevereiro deste ano a leitura feita pela Celpa sempre se manteve abaixo de 11 quilowatt (Kw) de energia. Já em março ela saltou para casa dos 50 Kw, mantendo esse patamar elevado até agosto passado, quando alcançou a marca de 53,3 kw, em um forte indício de que a Celpa está repondo o que teria faltado até março.

A mesma Unidade Consumidora, mas desta vez com vencimento neste mês de dezembro, reitera esses dados. Nos últimos três meses (setembro, outubro, novembro), a medição apresentou uma discreta redução se mantendo na média de 38,7 kw, ainda assim quase quatro vezes superior ao índice aferido até fevereiro de 2014. A insistência da Celpa em faturar mais de um acúmulo no período de 12 meses, desta forma desrespeitando o Termo de Ajustamento de Conduta, do qual ela está sujeita a penalidades, e o excessivo número de reclamações em todos os canais viáveis de atendimento aos consumidores, tanto em Brasília quanto no Pará, leva ao consumidores paraenses a esperar um posicionamento mais incisivo de instituições como o Ministério Público do Estado, a Aneel, a secção estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Assembleia Legislativa do Pará, câmaras municipais, prefeituras e do próprio governo do Estado.

Relatório aponta serviço sem qualidade

No relatório da Aneel ainda constam queixas contra a Celpa por oscilação de tensão (192), por suspensão indevida do fornecimento (158), por ressarcimento de danos elétricos (144), por cobranças indevidas (139) e por irregularidades (136), e pela má qualidade do atendimento da concessionária (120). A agência lembra que, conforme regulamento relativo à qualidade do fornecimento de energia elétrica, as distribuidoras podem ser penalizadas pelo descumprimento dos limites dos indicadores individuais de continuidade e pela violação dos limites de tensão em regime permanente. Essas penalidades são pagas pelas empresas diretamente aos consumidores que tiveram o serviço prestado fora dos padrões definidos pela Aneel, mediante crédito na fatura de energia elétrica.

No caso específico da Celpa, há uma exceção para essa regra geral. A Resolução Autorizativa nº 3.731, de 30 outubro de 2012, autorizou a distribuidora à destinar os recursos das compensações por transgressão dos indicadores acima citados para a realização de investimentos em sua área de concessão com vistas a melhoria da qualidade. Dessa forma, a concessionária paraense não efetua compensações aos consumidores desde de 29 de fevereiro de 2012. No entanto, a distribuidora tem apurado e encaminhado à Aneel os valores de compensação que seriam devidos aos consumidores.

Segundo a agência, ainda em 2012, a Celpa deixou de pagar R$ 96,2 milhões aos consumidores em forma de compensações, obrigada a reverter esse montante para investimento na melhoria do serviço prestado a população paraense. Desse total, R$ 90,3 milhões foram por falhas na continuidade do serviço (falta de energia) e R$ 5,8 milhões por violação dos limites de tensão. Em 2013, o cenário foi bem parecido: R$ 63 milhões não pagos aos consumidores prejudicados pela má qualidade do serviço da Celpa (R$ 57,6 milhões e R$ 5,4 milhões, respectivamente).

Nota técnica - A última nota técnica da Aneel, divulgada ainda no primeiro semestre, apontou que em 2013 a população paraense foi a que mais sofreu pela má qualidade de serviço de energia elétrica no País, ficando em média 73,3 horas sem energia elétrica, o que corresponde a mais de três dias sem luz. Foi disparado o pior quadro dentre todas as fornecedoras de eletricidade do País. O resultado da Celpa é ainda mais alarmante quando se confronta com a média limite estabelecida pela Aneel no Estado. A agência estabeleceu que em 2013 a concessionária só poderia interromper a continuidade de energia elétrica em, no máximo, 36,43 horas, mas ao fim do ano, essa diferença mais que dobrou: 36,9 horas além do limite estabelecido.

Em algumas regiões do Estado, a média de tempo sem energia elétrica ultrapassou a marca das 500 horas. Foi o caso de alguns bairros do município de Óbidos, em que 2.206 consumidores ficaram em média 555,6 horas sem energia - mais de 23 dias no ano. Em Tucuruí, 2.641 consumidores ficaram 543,4 horas sem eletricidade, sendo que a média limite estabelecida pela Aneel era de 58 horas.

A Celpa ainda se destacou pela frequência em que deixa o seu consumidor sem energia elétrica. Em 2013, foram quase 38 interrupções em média, sendo superado, apenas, pelo indicador da Amazonas Distribuidora de Energia (AME), que apontou 39,2 quedas de energia. Esse péssimo desempenho manteve a Celpa no inglório ranking das piores distribuidoras de energia de grande porte do País, sendo superada, apenas, pelas notas da Celg Distribuição, que presta serviço em Goiás, e da LIGHT Serviços de Eletricidade, distribuidora do Rio de Janeiro.

 Conforme a Aneel, usuários insatisfeitos com a prestação de serviço da Celpa devem fazer suas reclamações inicialmente à concessionária de energia. De acordo com a legislação, caso os problemas não sejam solucionados, o consumidor deve recorrer à agência reguladora estadual conveniada com a Aneel - no caso do Pará, a Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do Estado (Arcon-PA). A agência atende pelo telefone 0800 286 9117 - a chamada é gratuita. A Aneel recebe reclamações do consumidor por meio de seus canais de atendimento: o telefone 167 e o Fale Conosco (www.aneel.gov.br).

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